quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007



:: RESFRIAMENTO GLOBAL ::

Não reagem mais aqueles jardins.
As flores todas se desconstróem.
Essa meia-noite que tarda em mim...
Ardis, os minutos não se comovem.

Venho só, venho só com meus ais.

O asfalto fuma os nossos olhos.
O pensamento vive a nos tragar.
Ventos agarram-nos quase mortos...
Aos pés, coragem a se fragmentar.

Venho só, venho só com seus sinais.

As cartas partem fumegantes.
Seus destinos revelam-se surreais.
Nem o frio é frio como antes!
Nossas promessas são desiguais...

Venho só, venho só com meus ais.

O fogo grita, a chama se apaga.
As idéias queimam sem crepitar.
Àquela Lua, qualquer luz que valha,
Somente cega, sem me elucidar.

Venho só, venho só com seus sinais.

O sal da Terra escorreu dos dedos.
A minha sede poderia se saciar?
Tenho um desejo: eu sinto medo.
Na garganta seu nome a soluçar...

Venho só, venho só com meus ais.

Eles falam de aquecimento global...
Não era de calor que tínhamos fome?
Entre nós há uma comoção glacial.
Nosso demônio tem um outro nome.

Venha Sol, venha a nós com seus graus.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007


:: FANTASIADO ::

Lá vem uma multidão em blocos,
Com suas cores e seus invólucros.
A orquestra é de encher os olhos.
Ponho uma máscara e me mostro.

Que rito é esse que lhes contagia?
Olhem a alegria da velha menina!
Vejam o rapaz com outro nos braços!
Tudo passa e todos se sabem.

Rodopiamos ao som de um trio.
Há serpentinas, há explosões
Saudando o brio do nosso riso
Numa avenida elétrica de ilusões.

Mãos para cima, me dá um beijo!
São velozes as cores nesses olhos.
Exagere a tinta no seu enredo
Enquanto apago esses meus modos.

Nosso estandarte é cor escalarte.
Ele é tão leve quando em comunhão...
Há tanta gente, aonde vão?
Vê se me carrega pela tua mão!

A curtos passos, sempre em frente.
A Gata samba seu ritmo adolescente,
Cachorro freva seu apelo inconseqüente,
Enquanto dançamos de um modo diferente...

O Pierrot chorou, Colombina se calou.
Quem se importa com essas heresias?
Por hoje, nem tempestade nos abafa!
Não vamos rasgar nossas fantasias.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2007




:: EXCEPCIONAL MENTE ::

Moveu-se como num jogo de tabuleiro,
Deixando-me neste espaço limitado.
Adicionou-me, multiplicou-se e subtraiu
Todo o amor proclamado em seu teatro.

Enigmas são vestígios dos seus atos.
Meu coração: um cálice derramado.
Gerou-me um sentimento complicado.
Escrevo agora buscando o seu retrato...

Sim, as paisagens são áridas.
Os caminhos são ávidos.
Você foi um presságio
Das revoluções tropicais.
Daquilo que fui incapaz.
Uma excepcional mente.

Seguiu uma rota desconhecida
Misturando na memória outros odores.
A jornada quase me foi interrompida
Nesse tempo de esperas e dissabores.

Pensava que conhecia seus ardores,
Suas idéias, segredos e temores.
Parecia que seu universo me inseria...
Céus, como dói uma fantasia!

Sim, as paisagens são áridas.
Os caminhos são ávidos.
Você foi um presságio
Das mutações tropicais.
Daquilo que sou incapaz.
Uma excepcional mente.

Sem me deixar uma indicação,
Partiu no alvorecer das cores.
E tudo que me parecia ser união
Faliu no desabrochar das flores.

"Não idealizarei mais amores
Seguindo em confronto com o vento
Tal um embrulhado cata-vento
Que gira desnorteado do tempo."

Sim, as paisagens são pálidas.
Os caminhos são ávidos.
Você foi um presságio
Das evoluções tropicais.
Daquilo que serei incapaz.
Uma excepcional mente.

:: A ESFINGE ::

Aproxima-se dos limites incógnitos
Que se formaram noutro passado
Onde em luz opala sangrei
O código de um coração.

Seu pensamento sob céu suave
Evola-se sobre alto monte
Protegido de respostas simples,
Encantado de adivinhações.

Sabedoria é o seu mistério.
Que nome daria ao meu coração?
Que não entende o que dissimula
Nos músculos da escuridão.

Sua verdade é a sua adaga.
Seus olhos mar de leões
Que me corrompe nessa madrugada
Naufragada de escuridão.

O sorriso que omiti, agora
Goteja em mina de ilusões
Luzindo dores olímpicas
À maneira das constelações.

Meus sonhos nas suas asas.
Nos céus fecharam os portões.
Eu sei que é um seu feitiço...
Na luz da fresta da solidão.

sábado, 3 de fevereiro de 2007


:: INSÍDIAS ::

Para deflagrar o meu sorriso,
Lampejar na minha inconsciência,
Liderar a força do meu ímpeto,
Comandar a intensidade do meu vício...

Você me propõe uma parceria.
Você apazigua os meus defeitos.
Você ludibria minha alegria.
Você faz as coisas do seu jeito.

Para usufruir minha companhia,
Mobilizar cada ato que manifesto,
Conquistar a simpatia da família,
Cada espaço do meu universo...

Você me conforta ao meio-dia.
Você antecipa os meus lamentos.
Você interdita os meus desejos.
Você compreende o meu enredo.

Para desvendar os meus delírios,
Desmiolar tudo aquilo que acredito,
Segredar o que me torna controverso,
Enfatizar as cores no meu verso...

Você decora os meus sermões.
Você desforra o meu perfume.
Você recria uma identidade.
Você se joga no meu mundo.

Para golpear minhas decisões,
Globalizar as minhas aptidões,
Amenizar a dor de um suplício,
Cavar no meu peito seu abrigo...

Você me impõe suas premissas.
Você arquiteta suas insídias.
Você simula o que necessito.
Você só quer me ter vencido.

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007


:: RAVE ::

Delirante é a noite de vozes roucas
Onde podes arder a ânsia dos desviados,
Podes fingir o riso dos desavisados,
Posso sentir o ópio dos apaixonados.

Atravessado em luzes loucas
Seu corpo é como um fio de gente
Eletricamente descontente
Serpenteando sob minha sombra.

Você vem e foge seguidamente
Vibrando no seu olhar entorpecente
Um recato com requintes de terror,
Um receio com resquícios de amor...

E alucina meu coração desabrigado,
Vergando o meu corpo como um arame.
Minha tristeza tem gosto de Artame.
Há loops, há beats, mas não há emoção.

Somente fissura, o meu corpo treme...
Ao ver as curvas na seda cor de sêmem
Agitarem-se no seu ritmo indiferente
Na escalada sufocante da gente.

E o dia amanhece na nossa inconseqüência.
Atordoada, você parte com resistência
Largando-me nos braços dessa realidade,
Onde danço sozinho... e em várias metades.

:: O QUE NÃO SE SABE ::

Nem mesmo sei de você.
O que faz do seu tempo.
Se a vida está a contento.
Do que é que tem fome.
Por onde é que se esconde.
Qual a voz que te cala.
Se anda só pela sala.
E chora ouvindo seus discos.

Nem mesmo sei de você.
Em que idade se encantou.
Quem foi seu último amor.
Se está acima do peso.
Se corre nas ruas bem cedo.
Ou dorme na lua da tarde.
Se dança fazendo alarde.
Quem foi que te revelou.

Nem mesmo sei de você.
Se é feliz com amigos.
Ou só confia em felinos.
Se percebe o que é bom.
Prefere o Sol ao néon.
Se a vida está por um triz.
Quem te fez mais feliz.

Nem mesmo sei de você.
Se gosta mesmo de homens.
Se também é insone.
Se toca algum instrumento.
O gosto do seu sofrimento.
Qual a sua matemática.
O que é que te mata.

Nem mesmo sei de você.
Se viajou no universo.
Se já arriscou alguns versos.
Se tem medo da morte.
Se já contou com a sorte
E se rendeu a paixão.
Se é de libra ou leão.

Nem mesmo sei de você.
Se encontrou quem te importa.
Ou se fechou suas portas.
Se vive um dia frio.
E se você usa colírio.
Se é real ou delírio.
Quem é que te contagia.
Qual é o tom da sua alegria.

Nem mesmo sei de você...
Nem mesmo sei de mim!
Fico desse lado do muro,
Apenas tateando o escuro,
Sonhando a cor da tua chama,
Que reacende essa flama
De imaginar-me feliz.

:: HOMENS-BOMBA ::

Nossos desejos são tão redundantes.
E nos sentimos tão anormais.
Temos receio da voz dos instantes.
Mas de que modo isso nos satisfaz?

Essas cidades tão angustiantes.
Eu não entendo mais os seus sinais.
Até parece que sou um viajante.
Regressando, já não me encontro mais.

O que há de você em mim?
O que ainda subsiste aqui?
Se tudo que abraço eu me desfaço.
Se todo desejo é um pouco lasso.

Não quero acreditar que somos constantes.
É sábia a ciência de sermos desiguais.
Mas essa individualidade beligerante
Não nos ajuda ter um instante de paz.

O gênio trama ações conflitantes.
E nós agimos como dois rivais.
Às vezes o cenário é tão apaixonante...
Noutras vezes não desejamos mais.

O que há conturbado em ti?
O que se contorceu em mim?
Se nossos temores são congruentes.
Se juntos somos sobreviventes.

Sinto esse tempo tão relevante
Embora não me enterneça mais.
Talvez sejamos novos habitantes
De uma aldeia de seres artificiais.

Entoando um hino revoltante,
Nossos lábios parecem tão fatais!
Quem sabe na fria linha do horizonte
Percebamos o valor do Jamais.

O que explode aqui dentro de mim?
O que morre ali fora de ti?
Se parecíamos complementares...
Até esvairmos por esses ares.

:: ABANDONO CASTANHO ::

Então nós dois fomos um.
Mas nosso orgulho - esse ordinário! -
Nos repartiu, agora somos metade
De uma relação superficial.

Então o tempo foi desleal.
Esses lençóis que tumultuam...
Seu desejo tem o ritmo das luas,
O que me deixou confuso e arredio.

Então amar era desafio.
Eu necessitei de outros ares,
Você mergulhou em novos mares,
Eu tão inconstante, você tão sua.

Então fomos uma loucura?
Você me viu em desalinho,
E quando te beijei com carinho
Sentimos medo um do outro.

Então o amor mudou de rosto.
Meus beijos amargaram um novo gosto.
Seu corpo fingiu nos braços de outro.
Noites ausentes, sentidos ignotos.

Então nos tornamos inóspitos.
Você procurando sentir ardor.
Eu finjo que outra faz amor...
E isso nos torna mais próximos.

Então nós dois fomos muitos.
Silenciosos, destilamos insultos.
O veneno do amar é tão agudo!
E nos transformou em dois mundos.

Então somos póstumos.
Ressentidos, esses dias nem lamentam!
Castanha é a cor da experiência.
Ainda que doa, a gente se inventa...

:: À SUA MANEIRA ::

De um jeito estonteante,
Aproximou-se à sua maneira.
Com um ar de quem escapa,
Como se não quisesse nada.

Foi emergindo, eu me envolvendo.
A nossa química nos aglutinou.
Transcendemos à luz do sexo,
Agora sei como se faz amor.

Dias assim são tão impróprios.
Estou aqui, não sei aonde.
Abro uma janela, o Sol te esconde
E vejo um céu tão desbotado.

Meio confuso, descompassado,
O meu relógio nunca me compreende.
Esse vazio de ser carente.
Esse meu estar tão descontente.

Não há notícias, somente esperas.
Quando é que você se importa?
Meu telefone está tão quente...
Eu te aguardo a qualquer hora.

Onipresente, remanescente.
Eu guardei um fio daquele pente.
Ouço seu riso no escuro.
Ter você me fez mais inseguro.

Há vários dias mudaram as luas,
Nenhuma notícia sua me renovou.
O que te preserva e te condiciona
Bem que poderia ser amor...

Que me distrai se não estou contigo.
Em sua pele mapeio o meu delírio.
Uma tatuagem que não cicatrizou,
Seu nome inflama na minhar dor.

E do seu jeito exuberante,
Foi partindo à madrugada,
Com seus olhos cor de opala,
Como alguém que não deseja nada.

:: IDÓLATRAS ::

Conheço a resistência do sentimento
Que fez essa noite germinar assim.
Há tanto tempo eu convivo com isso,
Há quanto tempo você espera por mim?

As situações nos interligam,
O acaso poderia nos salvar...
Mas nossos limites se cruzam e se abalam
E isso ninguém poderá mudar.

Flertando você segue, comovido eu fico.
Sobre os ombros você me enxerga
E sinto isso como um prestígio...
Um passo para trás: sozinho eu fico.

Amarra então o seu cabelo.
Eu vejo tudo e me embaraço.
Saboreia um copo de cerveja.
Há tempos que eu me embriago!

Expectativas não me absorvem mais.
Acostumei-me ao dissabor solitário.
Vamos, essa noite é sua!
Há toda uma tribo do seu lado.

Seu som ressurge em melodias
Realçando nossas vidas em disritmia.
Seu corpo já não sabe para quem arde...
Você é uma multidão com sua arte.

O último refrão e parecemos intactos.
As luzes se apagam sobre o seu palco.
Seu nome eu grito e você me fala
Apenas nos acordes da sua guitarra.

:: RECONHECIDO ::

Rasgava-se o vento no seu sorriso

Numa ocasião que não premeditei.
Estava só... mas não desviei.
Adiantou-se, então, e disse:

- Eu te conheço.

Qualquer nome, qualquer lugar.
São frouxas as memórias,
Tantos momentos suprimidos...
Muitas vezes se esquecer é preciso.

- Eu te conheço.

Soam velhas boas amenidades,
Nervosos clichês inofensivos,
Nenhuma inédita mentira...
Entre nós dois há um estranho abismo.

- Eu te conheço.

Sua mão me alcança sem relutar,
Meus nervos congelam ao lhe apertar.
A mesma dúvida, o confuso perfume.
O seu sotaque a me exaltar.

- Eu te conheço.

Um ocasional comentário bobo
Foi tudo que usei para me safar
Enquanto no púlpito do meu silêncio
Segredos estavam a reverberar.

- Eu te conheço.

Sem mais perguntas para formular.
Nossos desejos fugiram por um abrigo,
Restando os relógios... em desatino.
"Não ouse me abraçar nesse lugar!"

- Eu te conheço.

Sussurrou-me por fim, ao pé do ouvido,
Quase um beijo, o último ruído.
Fui embora sem sequer lhe dar motivo.
E já não me reconheço.