quarta-feira, 25 de abril de 2007

:: GUARDA-CHUVAS ::

Nessa estação em que me embaraço
Não há sequer um indício convincente
Nas vezes em que espero, reticente,
Por um gesto, uma reação ou um fato.

Falamos de filosofia e suas incongruências.
Das epidemias e suas inconsequências.
Do fascínio da música e da poesia.
Não, não era isso o que pretendia...

Noutra tarde, transgredi com um rubor
Quando ousei mencionar sobre o amor.
Um frio repentino e um arrepio
Foi tudo que teu olhar me provocou.

Será que o inverno e seus rigores
Transtornou o teu contemplar
Sobre as coisas que te segredam
De uma maneira extenuante?

Nesses dias sinto-me destoante
Esqueço dos princípios que defendi.
Aplaudo verdades que desacredito em mim.
Um estranho impulso de preservação...

Que embota e esfiapa sensações
Causando-me uma calma ilusória
Que jamais acorda, somente cora
No breu do meu sentir sem voz.

Por persistir esse receio feroz,
As mentiras são inimigos domesticados.
Eu meço meus modos do seu lado
Como se evitasse um terrível desfecho.

Depois, avançando como quem não devia,
Beijo no seu rosto a minha heresia
Desvirtuada de lamento e pranto,
Sufocando um riso que te causaria espanto.

Quando trovões retumbam as investidas,
É você quem some nas pupilas miúdas
Desferindo essa solidão fecunda
Onde arde a chuva, cai a chuva...

segunda-feira, 23 de abril de 2007



:: UTILIDADES DOMÉSTICAS ::


O Despertador me indagou há pouco
Se existiria alternativa aos sonhos

Que eu cansei de perseguir.


O Rádio de Pilhas me aconselhou
Que durante esses dias medonhos
Será preciso reaprender a sorrir.


Mesas, tombem nesse lugar!
Tapetes, por onde caminhar?
Casa, não há janelas para abrir...

Perguntei a Lavadora de Louças

Se há alguma coisa que eu possa

Carregar sem macular.


A velha Geladeira me consolou,

Lembrando que tudo em volta
Poderia se descongelar.

Garrafas, aliviem minha sede!
Freezer, o que preservar?

Casa, não há ninguém por mim...

O chuveiro elétrico me eriçou os pêlos
Surpreendendo o meu corpo inteiro
Que não esperava se sensibilizar.

O computador formatou meus desejos
Espalhando por aí meus anseios

Que a cama não conseguiu sustentar.


Estante, mate a minha fome!
Espelho, reflita minha alma!
Casa, cansei de resisitir...


A TV me sussurrou ao amanhecer,

Descolorida diante de mim,

Que já não seria tão fácil fugir.

A taça girando sobre o tapete
Tilintou que no outro dia
Tudo aquilo poderia se repetir.

Sala, com quem dividir?
Quarto, está tão frio aqui!
Casa, não me tranque em mim...

domingo, 22 de abril de 2007

:: OFF-ROAD ::

Eu parti em busca de novas aventuras.
Percorrendo cidades, estradas, ruas.
Desbravando caminhos insondáveis
Sob domínio dos meus sentimentos.

Conheci um rapaz, assim como eu,
Onde em seu íntimo havia o mesmo intento.
Com seu dedo em riste, cabelos ao vento,
Apontou-me em direção ao peito e disse:

- Não é fantástica essa incrível coincidência?
O meu trajeto termina onde o seu se inicia.
Amigo, siga em frente por essas colinas...
Se o meu amor encontrar, diga-lhe que resisti!

Sacudi os meus ombros em reclusão.
Segui adiante, sem rotas, sem noção.
Encontrei um viajante bastante experiente
Que me aconselhou, parecia contente:

- Meu bom rapaz, não se esqueça de acentuar
Quais os limites que poderão te desviar
Caso o caminho não se mostre por inteiro
E suas escolhas deságüem num atoleiro...

Um tanto alerta, prossegui pelas paragens.
O sol se pondo remetia a certas miragens...
As lágrimas da noite também ardem!
Ultrajado, resolvi recolher as fogueiras.

Eu mergulhei na imensidão de uma campina,
Os insetos me costuravam, tão velozes...
Um pio, tão triste, ecoava dos bosques
Onde muitos se perderam das suas rotas.

Na lagoa, as folhas tremiam ignotas
Enquanto eu naufragava naquelas águas.
Meu corpo inteiro gemia na minha mágoa
Porém, a alma mostrou-se estar em forma.

Outro dia despontava no escuro em prontidão.
No meu rastro, a noite mergulhada em seu ventre.
Acabei por ouvir uma outra voz, estridente,
Que da janela ouvia-se sem interferências:

- Não é incrível essa estranha coincidência?
O meu trajeto termina onde finda o seu!
Amigo, retorne ao que te pertence...
Lá, adiante, há uma dor que extermina!

Antevi meus limites, era o fim da estrada.
Fugir não era uma honrosa façanha.
Aqueci meu motor para uma nova guinada,
Resgatando-me assim de profunda lama.

quarta-feira, 18 de abril de 2007

:: HARE ::

Hare, o que você fez de mim?
Sua vontade ecoa como um clarim
Seja nas montanhas dos meus sonhos
Ou nos acessos da minha consciência.

Hare, as suas cores são mais intensas
Comparadas a esses seres nublados.
Meus amigos estão apenas preocupados
Em viverem suas vidas amenas.

Hare, que me surgiu como um Sol
Nas frias horas da minha insenção,
Onde condenava-me num vôo solitário
No abismo homogêneo da multidão.

Hare, foram as luas de Júpiter
Que combinaram no céu essa revolução.
Seus ritos resgataram o meu coração
Da poeira intrigante da solidão.

Hare, os frutos dos meus cílios
Não alimentam mais as horas veladas.
Os seus reflexos na minha íris
Tornam mais claras essas madrugadas.

Hare, sua nitidez é transgressora.
Justamente ela me incapacita,
Quando a carne treme, opressora,
De devastar os detalhes que encantam.

Hare, repouso tão bem na sua alma...
Sinto orgulho do caráter que ressalta
Sua delicada nuance redentora
Que resulta nesse romance tenaz.

Hare, onde o meu amor se refaz...
No seu peito fixei o meu eixo.
Sinta esses versos como um longo beijo
E descanse em paz.

terça-feira, 17 de abril de 2007

:: EFEITOS ::

Indolente, ao sabor das letras,
Sua ausência se impõe nesses traços,
Aludindo a comoção que não perfaço
No rígido cimento dos sentimentos.

Seu respeitável dom de fascinação,
Indestrutível, abranda meu coração,
Questionando as emoções influenciadas
Pelas minhas experiências desastradas.

Sei que meu repouso seria bem melhor
Nos arcos sutis das suas sobrancelhas.
Seus olhos, escorregadios, transluzem
No azul tardio das minhas olheiras.

É cômico e não menos comovente
As manias de amor que me circundam.
Há encantos em atos que não supunha.
Você me desfaz num ser mais lúdico.

Até o inverno toma ares românticos.
Eu sorrio para acompanhar o seu ritmo.
Eu aspiro o ar dos seus artifícios.
Esse instinto protetor que aflora...

Coincidências místicas lideram agora.
No futuro reforço o que até duvidei.
Você transcende os amores que eu amei
E, apesar de tudo, isso soa tão bem!

Mas nessa promessa ainda não há voz.
É tão estúpido restarmos tão sós!
Meu silêncio é causa dos seus efeitos.
E seus efeitos condicionam os meus meios...

sábado, 14 de abril de 2007


:: CADAFALSO ::

Escrevi sobre as memórias infindas
Dos complexos romances postergados.
Eu imaginei a tristeza das meninas.
Senti os desejos desmoronados.

Conjuguei os verbos dos meninos
Refletindo suas emoções imperfeitas.
Desferi sobre o abandono nas esquinas
Onde as juras quase todas são desfeitas.

Tremi ao retratar uma jovem mão
Sinalizar sozinha num frio cortante.
Eu deduzi a cor de uma paixão
Em escrupulosos vestígios românticos.

Desejei nesses tempos instantâneos
A chance de deter essas sentenças.
Buscando um jeito mais apropriado
De te livrar das minhas reticências.

Nesse esforço da criação poética,
Eu fracassei na nossa experiência...
Ainda que o perfume dos meus versos
Inspire o meu amor nas suas crenças.

Agora ganham um estranho sentido.
De repente, vejo-me num cadafalso.
Minha poesia arde em teu último juízo
Que me condena aos versos que faço.

sábado, 7 de abril de 2007


:: COBAIA ::

Sem se importar com suas convicções,
Meus nervos se exaltam condoídos
À procura de regalo nas emoções
Que os seus têm desconstruído.

Comparada com o fardo do seu estado,
Minha ânsia se confunde com desespero.
Falta-me uma medida de realidade.
Estou sempre revivendo o nosso enredo.

Eu vigio seus horizontes virtuais.
Medito na espera dos seus impulsos.
Outro dia mudei o meu itinerário
Apenas para estar em seu percurso.

Inseguro, eu simulo um ar esnobe.
Finjo mil vezes que não me interesso.
E você nem sequer se comove!
Pois basta um sorriso... eu regresso.

Quando há um encontro acidental,
É impressionante como você se comporta!
Invejo a sua incrível capacidade
De me atravessar como uma porta.

Eu que me julgava experiente!
A quantidade não me legou sabedoria.
Hoje sinto a mediocridade de almas
Que simularam a minha alegria.

Aprendizado igual a esse nunca se esquece.
Você é minha condição extraordinária.
Eu que premeditava ser o seu mestre...
Acabei me transformando em sua cobaia.


:: SE VOCÊ ME AMASSE ::

Se você me ama...
Ouça a insensatez dos seus desejos.
Confronte a tirania dos receios
Imposta nessas solidões estagnadas.

Se você me ama...
Alivie as emoções impressionadas.
Liquide a timidez que nos arrasta
Às nossas previsões e infâmias.

Se você me ama...
Ponha abaixo a lei das suas ânsias,
Se entregue ao sabor das circunstâncias.
E compartilhe o dever de ser feliz.

Se você me ama...
Neutralize seus humores hostis,
Semeie sua força num abraço,
Apague sem pudor velhos traços.

Se você me ama...
Respeite a experiência do seu sonho.
Não fuja nesses tempos tão estranhos,
Nem tema a dor dos seus efeitos.

Se você me ama...
Não ouse reproduzir os meus defeitos.
Conforte esses olhos vermelhos,
Náufragos nas lágrimas em realce.

Se você me ama...

Se você amasse...

terça-feira, 3 de abril de 2007



:: ILHAS DO ATLÂNTICO ::

As portas vibram nos cômodos vazios
Evadidos da sua presença constante.
Cruzar esses vãos é tão terrificante...
Aquarelas retratam meus novos declínios.

Superar-se é uma virtude bem difícil.
Constatações se confundem com desvarios.
Como dói essa carta em minhas mãos...
A saudade faz de mim o seu princípio.

Não suporto sequer ouvir uns discos.
Toda canção é como um hino de lástimas.
Sua gata mia fitando minhas lágrimas
Que desbotam suas gavetas vazias.

Seu sabonete derrete ainda na pia.
O fio dental esfiapa-se no colchão.
Sobras peculiares da nossa rotina
Que hoje ganharam uma nova dimensão.

Até uma mancha num velho calção
Soa como uma revelação divina!
E logo te encontro nas boas lembranças
Das nossas carícias vespertinas.

Então o futuro toma ares tirânicos.
Nós somos uma promessa desvirtuada.
As lágrimas... são muito mais amargas
Nesse lado dormente do Atlântico.