quarta-feira, 12 de maio de 2010


AS FRESTAS MIÚDAS

Dois corpos inermes que se reclusam.
Não há luz ainda, somente frestas miúdas
Espiando o regresso de um sol que silencia.

Enquanto afagas o meu rosto à revelia,
Teus dedos, numa valsa enlanguescida,
Deslizam sobre meus olhos e me flagram.

Um afago, um rastro, uma lágrima...
Minhas memórias nas tuas digitais
Reluzem à meia-luz que nos envolve.

"É mesmo lágrima", você compreende.
Descansa em meu peito sua mão dormente,
Contorcendo em meu corpo sua solidão.

"É a mesma lágrima", a constatação.
Em mim prevalece essa carência confusa,
Ainda mais forte que a minha razão.

Mas não há fingimento, nem mesmo ilusão.
Você ousou aguardar o momento,
Eu alertei que havia paixão.

Paixão que é fome, nunca alimento,
Issaciável à luz de um sentimento
Que arde além dessas frestas miúdas.

domingo, 22 de novembro de 2009

INSPIRADO EM FATOS IRREAIS

Mantenha-se distante de mim, por favor.
É que necessito de um olhar lacônico
Para desmistificar essa comoção romântica...

Perdoe-me se perceber exultância
Nos gestos involuntários do meu corpo
Surpreendido nos encontros ocasionais.

É uma espécie de constrangimento, nada mais.
Sempre fui apto às inexatidões
Que fluem nos nervos dos introvertidos.

Não mencione meu nome, não sejamos amigos.
Melhor atravessarmos essa experiência
Sem quaisquer resquícios de conivências.

Eu sei, soará como arrogância,
De novo, essa infalível insegurança
Que os nossos amigos tanto alertaram.

Quem sabe se por uma ação mais calculista
Eu possa reverter essa cumplicidade
Que se intensificou sem ser percebida.

Agora basta de delírios e medidas
Proclamados ao suor dos impulsos
Pertinentes aos homens desesperados.

Não pode ser amor o que me faz tão lasso...
Somos dois sozinhos do mesmo lado,
Comparsas nessa solidão ambivalente.

Nem mesmo sei o que me fez contente!
É como se dois mundos colidissem em mim.
Cedo ou tarde, nós tínhamos de restar assim.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

COLCHÃO DE MOLAS

Esgoto meus cotovelos sobre o travesseiro
Adaptando-me à rigidez da minha insônia
Que triunfa na sucata das madrugadas.

Um caco de lua, o coração partido.
Essa luz dos pensamentos tardios
Não dorme na fissura dos meus modos.

Por ti, nesse quarto minguante,
Imprimo na fronha da penumbra
A curva de um abatimento insuportável.

Tudo em volta parecia intransmutável?
Se hoje tombou a última orquídea
Ícone maior do nosso relicário...

Ao pensar nisso, meu corpo se reclina
E tudo cede sobre a cama afligida
Pelas reviravoltas do meu dilema.

Recolhido assim nessa propensão molenga,
Até tento erguer sobre o colchão um novo estado.
Mas logo penso em você... E caio.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

INJUSTIFICÁVEIS

Você revolve as gavetas à procura
Dos vestígios das minhas elucidações
Escritas à margem do seu perfume.

Folha por folha, você presume
Que nas vagas de cada verso traçado
Há um sinal de amor inconciliável.

Com aflição, você rememora
Cada fato narrado nessa tinta indócil
Que sempre se mostra injustificável.

Perdas inconsoláveis, o soluço das horas.
Essa languidez que me conforta e choca
No silêncio de emoções que nos conotam.

Daí me indaga, na luz do desvelo,
O que motivaria esses escapes da nitidez
Que abrange a rotina do nosso enredo.

E nem desconfia que, por essa folha insípida,
O enigma dos meus poemas se precipita
Do coração febril das minhas dúvidas...

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

PREPARE-SE

A gente acorda a qualquer momento.
Não importa o que se tem suportado.
Se sono de abismo ou firmamento sonhado.

O tempo. A luz. Abre-se a janela.
O dia irrompe em linhas paralelas
Na distância cingida pela luz e o pó.

É assim para a aranha que tece um nó
Na teia que o pardal aniquilará
Quando no galho pousar após um voo feliz.

É assim para a folha que se cala no poço
Ausente da flor de aparência tão doce
Mas que o colibri poderá desprezar.

Será preciso coragem além dos muros invisíveis.
Com audácia, o caminho será antecipado.
Somos de uma substância imprescindível.

Aos olhos, que não temem os calendários,
Algo bem nosso será despertado
Do êxtase velado dos visionários.

sábado, 14 de novembro de 2009

RASURAS

Com o constrangimento de quem se engana,
Afasto-me dos sinais da tua mão errante
Buscando sobriedade nesses gestos iniciais.

Comovidos pela cor que vaza nesse alvorecer,
Meus olhos se voltam para o lado de dentro
Repleto de minhas íntimas rasuras.

Eu vejo as circunstâncias mudarem de sentido,
Antevendo no inverso do meu olhar ardido
Os limites ignorados da minha consciência.

É que desisti da ilusão da nossa permanência...
Que se esvai na atmosfera morna dos suspiros
Introvertidos à sombra da minha mão.


Assim, devolvo-me as linhas que eu traço,
Por onde a lágrima secará ressentida
Das coincidências e ausências do último ato.

Nessa página desdobrada em que me desamasso,
Renasço na ironia de um poema egoísta,
Alheio aos versos que eu te prometi.

terça-feira, 24 de julho de 2007

:: FIDELIDADE ::

Por não saber por onde avançar,
Não entender o que quer aguardar,
Por tudo que hesita desvanecer...
Eu odeio você.
Eu só odeio você.

Por tragar a minha inocência,
Fazer do meu amor essa ausência,
Por oprimir meus versos sem saber...
Eu odeio você.
Eu só odeio você.

Por preservar sua essência infeliz,
Esses dias que nos tornam tão hostis,
Pelo abandono que me fez esmorecer...
Eu odeio você.
Eu só odeio você.

Por penetrar no azul da inconsciência,
Escurecer na alma sua influência,
Por evitar em mim seu amanhecer...
Eu odeio você.
Eu só odeio você.

Por arruinar a minha confiança,
Desmerecer a nossa aliança,
Que me comove com certa relevância...
E eu nem sei por quê!
Eu só amei você.

Eu odeio, odeio você...