Aleatoriamente eu revolvo Remotas páginas consumidas De um roto diário particular.
Alguns nomes e endereços Refugam a poeira do tempo Onde a mente hesita resgatar.
Apreendo umas folhas frouxas. Ali, reencontro algumas notas Que havia escrito sobre D.
De desejos velados. Dos desencontros marcados. Da demorada pulsação.
Ironizo-me e sigo então. Eu me excito sem saber por quê Ao me recordar da letra B.
Dos blefes sentimentais. Das bocas abismais. Da boemia homérica.
Folheio sem dialética, Removendo dobras que aparecem, E, distorcido, eu lamento em F.
Das fantasias literárias. Das fraquezas ordinárias. Da febre dos nervos.
De vez em quando a gente teme. Algumas folhas passaram em branco... Desertado, eu me desfaço em M.
Das maneiras tirânicas. Das mudanças românticas. Das mágoas inermes.
As minhas mãos adormecem. Não há ninguém entre S e Z. Retornando, tropeço em P...
Das ponderações racionais. Suas prudências sentimentais. Das prerrogativas inconseqüentes.
A ordem dos nomes não importa. Restou um rabisco em letras tortas, E, confundido, eu me apago em J.
Dos juízos desmoronados. Dos júbilos poetizados. Da juventude em deformação.
As páginas desabam das minhas mãos. Melhor superar esses delírios vãos E transcender essa memória de idílio...
De emoções esmiuçadas Das escolhas transtornadas Desse Exílio.
quinta-feira, 29 de março de 2007
:: CÉU VERMELHO ::
No limiar dos meus juízos imperfeitos, Contemplando a realidade indiferente, Você ousou se inserir na minha mente Transviando esses meus olhos contrafeitos.
Indecifráveis, os seus modos insuspeitos Diluíram-se nas águas da minha alegria, Inoculando uma euforia repentina Que jamais calculei os seus efeitos.
Em seus olhos oblíquos, na boca traçada... A minha natureza está toda condensada No álibi febril do seu enigmático rosto, Nos músculos comprimidos do seu corpo.
O poder da beleza, sua consagração, Nos seus nervos frios esnoba a paixão Que ultrapasso sem medir suas instâncias, Numa gana que não conhece distâncias.
Basta uma mecha nos olhos deslizar, Ou suas mãos na cintura descansar, Que meus membros reagem em sintonia Como se fossem reais suas fantasias.
Mas eu não tenho seu telefone. Você pronuncia errado o meu nome. Sempre em companhia de outros homens... Como eu defenderia meu coração?
"O meu lar é um céu vermelho..." "Eu tive de vender os meus cabelos..." "Por isso faço do meu corpo um puteiro..." "Solte minhas mãos e leve esse retrato."
Agora as réstias têm o seu formato. É você as sombras no meu quarto, As que se formam no corpo do travesseiro Onde padeço na insônia dos meus desejos.
sexta-feira, 23 de março de 2007
:: O ANO DO PORCO ::
Horas silenciosas em minhas fronteiras Sem quaisquer lições para reportar, Sequer um desejo para confrontar, Tão ineficazes no meu discernimento.
Só sensações pairam no íntimo orbe. O frio por um acaso na escuridão... Os lábios que roçaram nas minhas mãos... Da noite tomada no seu último toque.
Ecoa tudo, esse tempo é de morte! O sabor na xícara é da minha fusão. Perdemos as horas, estamos na contra-mão Do destino projetado em nosso riso.
Talvez me suportar seja preciso. Hoje nem lembrei com que sonhei... Joguei todo lixo fora, também meditei. Já inexiste seu nome no pó da estante.
Ah, esse coração principiante... Acordei nas lembranças em que adormeci. O gosto da rotina faz você persistir. Na ausência você vibra mais em mim.
Os jornais são delírios anunciados Com folhas repletas do seu nome popular. Nos Classificados, fico a devanear... No meu leito há um perfume inviolado.
É que sinto falta de ser amado... Procuro revoluções no meu horóscopo, Qualquer frase de efeito que me surpreenda, Que me rasgue no peito essa sua influência.
Em letras graúdas, uma manchete anuncia A profecia bem-vinda do Ano do Porco Onde vaidade e amor não se conjugam, Felicidade e rancor não se recheiam.
Esgotado nesses limites que desnorteiam, Ponho já toda minha fé nessa predição... Confio mais num porco que na solidão! E faço desse ano a minha redenção.
quarta-feira, 14 de março de 2007
:: AOS TÍMIDOS ::
Entre atos envenenados de relutância, A timidez sonega os nossos desejos Contaminando expectativas sustentadas No corpo frio dos nossos receios.
Insistimos na métrica da resistência. De um lado, você flerta com parcimônia, No outro, eu recordo minha insônia... E assim simulamos nossa inocência.
Quando um golpe de dúvida nos captura, Nunca ousamos reagir diferente. Nós naufragamos no fosso da gente Acorrentados numa frialdade soturna.
Nossos ombros fraquejam nas armaduras. Qualquer gesto em falso é encantamento. O que restará nas órbitas dos olhos Quando o instinto se rebelar a contento?
Eu me idealizo na sua aura hipnótica. Você me sorve em bílis negra com vodca. Os desejos se apegam em vis detalhes. Sabemos da trágica arte dos covardes...
Mais trágica ainda essa coincidência De me reconhecer nos gestos que te apanham, Na embriaguez dos olhos que se abandonam Numa absorvente sombra de solidão.
Eu suspiro e tudo parece em vão. Que maldita sina essa a dos cínicos! A nostalgia de romper os laços... Essa incapacidade de manter os vínculos...
domingo, 11 de março de 2007
:: VILANIAS ::
Quando a razão faz de nós dois oponentes, Quando transformo você em meu alvo, Minhas ressalvas soam tão inconseqüentes, Eu me entrego a esse poema acidental.
O gosto nos lábios tem caráter inconstante. Nós construímos mil enigmas sentimentais. O que é acaso não distrai como antes. Os nossos pares são deslizes amorais.
Nesse meu jeito há uma dor lancinante... Na tua sombra prevejo uma cor mordaz. E se um encontro se estabelece inebriante, Os nossos corpos se intumescem como rivais.
O teu desejo me descontraiu, era proibido! Também aos outros você fingiu intensamente? Eu me iludi no véu das suas vilanias. Na perspicácia do seu olhar irreverente.
Quando a mágoa fez de mim um combatente, Eu resolvi dos seus abraços me libertar... Você sorriu na travessia do meu sentimento. Agora vive nesses versos a se vingar.